BACC TRAVEL

Durval estava preso dentro da casa de seu vizinho Heitor.

Havia passado o dia inteiro na casa do ex-capitão do exército que anos atrás, se infiltrara em um laboratório militar onde Botelho, amigo de longa data de Durval, fazia experiências com um homem com chifres.

Segundo Heitor esses seres de fato existiam. Eram descritos em diversas culturas ao redor do mundo. Alguns o chamavam de Deus Corníferi, outros de Cernuno. Eram retratados em pinturas rupestres do Paleolítico encontradas em cavernas, e alguns diziam até que podiam voltar da morte. Os fenícios os cultuavam na figura de Baal-Moloch que era considera-do um deus violento. Segundo o Antigo Testamento da Bíblia, nos rituais de adoração a Baal, queimavam crianças vivas.

Além disso, Heitor havia contado a Durval que essas criaturas podiam dominar a mente dos humanos. Afinal, dominaram os fenícios e os cananeus que se dispunham a sacrificar os próprios filhos em honra do tal deus.

Durval estava mergulhado em todas essas imagens, e ter ficado preso dentro da casa só havia agravado seu estado de espírito. Já era noite e ele estava preocupado com Dolores sozinha em casa. Queria sair dali e voltar para casa. Para onde teriam ido Heitor e Melinda? Haviam saído da sala à procura da caixa de charutos e não voltaram. Estariam lhe pregando uma peça? Ou será que esse jogo era muito mais sórdido do que uma pegadinha de mal gosto aplicada em um senhor de mais de 70 anos?

Havia pensado em sair pela porta dos fundos da casa e torcer para que o portão da rua não estivesse trancado. Mas em sua jornada lenta rumo aos fundos da casa, com a bengala dando apoio à perna engessada, acabou tendo sua atenção desviada para o quarto onde Heitor tinha uma biblioteca abarrotada de livros. Em cima da escrivaninha no centro do cômodo, bem abaixo da luz da luminária estilo banqueiro inglês, ao lado da caixa de charutos aberta, estava a caveira com chifres. Provavelmente a mesma que Heitor havia lhe mostrado momentos antes.

Durval havia enfim podido olhar de perto aquele crânio extraordinário. Era hipnótico e parecia olhar de volta para ele. Dentes pontiagudos, órbitas proeminentes. Ninguém olharia para aquele crânio de forma trivial. Havia algo ali, um poder que Durval não sabia definir, algo bem maior do que um mero desconforto. Não era nada agradável fitar aquela coisa. E os chifres. Durval colocou o dedo bem na porta de um deles. Se apertasse com alguma força, furaria o dedo de tão afiado que era o osso.

Então Durval ouviu a campainha da casa soar repetidamente. Tocava e tocava de novo, como se alguém estivesse desesperado lá fora. Estaria a casa pegando fogo e a pessoa querendo alertar quem quer que estivesse dentro para sair com urgência ou morreria queimado?

Durval largou o crânio com chifres em cima da escrivaninha, tomou a bengala e se pôs de volta ao longo e penoso percurso pelo corredor da casa. A campainha continuava soando irritante, insistente. Din-don! Din-don! Alguém estava desesperado.

Episodio LIV continuana próxima edição.

JOSÉ GASPAR
Escritor, trader e colecionador de palavras estranhas
www.historiasdooutromundo.com
www.josegaspartrader.com

JOSÉ GASPAR

By JOSÉ GASPAR

José Gaspar é trader e investidor no mercado financeiro, professor de investimentos, escritor e colecionador de palavras estranhas. Estudou Escrita Criativa e Storytelling em Nova York e Física na USP, onde foi pesquisador pelo CNPq no Laboratório de Inteligência Artificial da Escola Politécnica e no Instituto de Física. Escreve para vários veículos de comunicação e possui mais de uma centena de artigos e contos publicados. Ministrou cursos e palestras por todo o Brasil sobre o mercado de ações e futuros. Escreve artigos no site josegaspartrader.com e contos no blog

Deixe um comentário

The Brasilians