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Enquanto a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30) reuniu em Belém (PA) pesquisadores e lideranças mundiais para discutir estratégias de mitigação e adaptação, iniciativas locais mostram como ciência e comunidades podem atuar juntas na linha de frente da conservação ambiental. No litoral do Paraná, o projeto Marés de Mudança, desenvolvido pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Estadual do Paraná (FUNESPAR), com incentivo do Programa Biodiversidade Litoral do Paraná (BLP), é um exemplo dessa integração.

Executado no Complexo Estuarino de Paranaguá (CEP), uma das áreas de maior relevância ecológica do país, o projeto identifica e avalia espécies bentônicas não nativas — organismos que vivem no fundo do mar, como moluscos e crustáceos — se comportam em um cenário de aquecimento das águas e alteração das condições ambientais, avaliando reflexos sobre atividades portuárias, comunidades locais e Unidades de Conservação (UCs).

Segundo o coordenador do projeto, o biólogo Rafael Metri, professor da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), a pesquisa está alinhada à Década da Ciência Oceânica das Nações Unidas, para conscientizar sobre a importância dos oceanos e mobilizar atores público, privados e organizações da sociedade civil (OSCs) em ações que favoreçam a saúde e a sustentabilidade dos mares.

“Pesquisamos a biodiversidade de organismos bentônicos, especialmente em costões rochosos e substratos artificiais. Esses organismos refletem bem as condições ambientais e, quando o cenário muda, algumas espécies mais tolerantes acabam se sobressaindo”, explica.

De acordo com o biólogo, espécies introduzidas costumam ser mais resistentes às variações ambientais. “Em locais impactados, onde a biodiversidade nativa está comprometida, elas podem se estabelecer com mais facilidade. Já observamos o aumento das ondas de calor marinhas e sua influência sobre a abundância de espécies nativas e invasoras”, complementa.

O litoral do Paraná, reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como Patrimônio Natural da Humanidade, abriga os remanescentes mais preservados de Mata Atlântica do país, vastas áreas de manguezais e comunidades tradicionais que dependem diretamente dos recursos do mar. Diante disso, as mudanças climáticas e a presença de espécies invasoras ameaçam tanto a biodiversidade quanto a economia local.

“Qualquer atividade que afete a vulnerabilidade das comunidades e dos ecossistemas precisa ser bem avaliada. Em uma região portuária, com alto tráfego de embarcações, a bioinvasão é um impacto que deve ser acompanhado”, reforça Metri. “Os serviços ecossistêmicos dos recifes rochosos são fundamentais para a manutenção da biodiversidade, recursos pesqueiros e ciclos ecológicos. Mas esses serviços estão ameaçados pelo aquecimento das águas e pela acidificação, aspectos que buscamos compreender melhor”, acrescenta o pesquisador.

Principais impactos

Entre os impactos observados estão prejuízos diretos à pesca artesanal, com espécies invasoras competindo com as nativas e alterando o equilíbrio ecológico. Ostras e siris não nativos têm afetado a renda de pescadores e exigido adaptações nas práticas tradicionais.

A ostra de capuz (Saccostrea cuccullata) vem dominando áreas de manguezal e costões, substituindo ostras nativas usadas no consumo e comércio. Menor e de sabor inferior, ela é mais difícil de abrir e pode causar ferimentos devido à borda afiada da concha. O siri invasor (Charybdis helleri), por sua vez, compete com espécies nativas capturadas por comunidades tradicionais. Há ainda registros de briozoários não nativos, que se enroscam nas redes, reduzem a eficiência da pesca e aumentam o esforço dos pescadores.

Esses relatos vêm sendo reunidos a partir de conversas com pescadores e restaurantes locais, dentro de um processo de ciência cidadã conduzido pela equipe do projeto Marés de Mudança. Além de gerar um banco de dados sobre espécies marinhas não nativas, o projeto promove educação ambiental e ciência cidadã, envolvendo comunidades e instituições como o Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Paraná (MPPPR), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Água e Terra (IAT) e universidades como a Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), Instituto Federal do Paraná (IFPR), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e o Centro Universitários de estudos e Pesquisas sobre Desastres (CEPED).

“Temos grupos de pesquisa, gestores ambientais e comunidades trabalhando juntos por um ambiente marinho saudável. Em regiões portuárias, essa interdisciplinaridade é essencial e, frente às mudanças climáticas, ainda mais urgente”, afirma Metri.

Os processos de licenciamento ambiental portuário têm incorporado diagnósticos e programas de monitoramento de espécies não nativas, impulsionados pela atuação conjunta da academia, órgãos ambientais e Ministério Público. Para Metri, “o projeto evidencia como ciência, gestão e comunidades podem atuar juntas pela conservação costeira e adaptação às mudanças climáticas. Conservar as zonas costeiras exige ação conjunta, promovendo resiliência e sustentabilidade”, destaca.

Programa incentivou a pesquisa

Com duração de dois anos e investimento de mais de R$ 640 mil do Programa Biodiversidade Litoral do Paraná, o projeto adota uma abordagem interdisciplinar que inclui coleta, caracterização das espécies e um mapeamento participativo, permitindo um monitoramento mais preciso e compreensão de sua dispersão.

As informações coletadas serão reunidas em um banco de dados público, promovendo colaboração entre instituições e comunidades. Também estão sendo desenvolvidos materiais de conscientização para sensibilizar a população sobre a importância do manejo das espécies invasoras, contribuindo para a conservação dos ecossistemas costeiros e o aprimoramento de instrumentos de gestão ambiental, como planos de manejo e conselhos das UCs.

Sobre o Programa Biodiversidade Litoral do Paraná

Criado em 2021, o Programa Biodiversidade Litoral do Paraná promove a conservação, a pesquisa e o uso responsável dos recursos naturais, fortalecendo Unidades de Conservação e impulsionando o desenvolvimento sustentável do litoral paranaense. Financiado pelo Termo de Acordo Judicial (TAJ) firmado após o vazamento de óleo ocorrido em 2001, o Programa transformou um passivo ambiental em investimento histórico em conservação: serão mais de R$ 110 milhões destinados a iniciativas estratégicas ao longo de dez anos.

A governança do Programa é compartilhada entre organizações da sociedade civil, instituições de ensino superior e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), supervisionados pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Paraná. A gestão financeira e operacional do Programa é realizada pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO). Para saber mais, acesse www.biodiversidadelitoralpr.com.br.

Fonte: brasil247.com

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