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“O Halloween é uma tradicional festa norte-americana que surgiu nas Ilhas Britânicas e é reproduzida em diferentes países, inclusive no Brasil. Essa festa acontece no dia 31 de outubro e é marcada por crianças que se fantasiam de monstros e saem à procura de doces. Os historiadores acreditam que essa festa tenham surgido de comemorações realizadas pelos celtas em homenagem aos mortos.”

Como o Halloween surgiu?

Os historiadores apontam que a provável origem do Hallo-ween tenha sido um festival praticado pelos celtas chamado Samhain. Esse festival era uma das comemorações mais importantes do calendário celta e era realizado como um marco do fim verão. Era também uma passagem de ano para esse povo.

O Samhain também tinha um significado místico, uma vez que os celtas

Foto: www.shutterstock.com/Cast Of Thousands

acreditavam que, durante o festival – que acontecia anualmente em 1º de novembro –, as bar-reiras que separa-vam o mundo dos mortos e o mun-do dos vivos dei-xavam de existir.

Com isso, acre-ditava-se que as almas dos mortos do último ano poderiam va-gar pela Terra.

Durante o Samhain, os celtas realizavam celebrações com fogueiras e com fartura de alimentos. As fogueiras (ou lanternas) tinham como objetivo manter os mortos longe dos vivos e eram acendidas nos diversos locais em que se comemorava o Samhain. Os alimentos serviam para homenagear os mortos e para celebrar as colheitas que os abasteceriam durante o inverno.

Como o Halloween surgiu?

O surgimento do Halloween aconteceu em algum momento entre o século XIV e o século XVIII e tem total relação com a cristianização das áreas que praticavam o Samhain (Irlanda, Escócia e País de Gales). Uma prática muito comum da Igreja Católica, durante a cristianização da Europa, era a de criar festividades cristãs na mesma data em que eram realizados festivais pagãos.

Isso era uma forma de cristianizar as pessoas e de, ao mes-mo tempo, apagar os traços da religião anterior e não foi di-ferente com os povos celtas. No período da Alta Idade Mé-dia, a Igreja possuía uma festa chamada All Saints Day, ou Dia de Todos os Santos, em português. Essa data era celebrada em maio, na data em que os romanos celebravam um fes-tival para afastar espíritos malignos.

No século VIII, porém, o papa Gregório III acabou transferindo a data para 1º de novembro, exatamente a data em que era comemorado o Samhain. A festa, a princípio, acontecia somente em Roma, mas o papa seguinte, chamado Gre-gório IV, decidiu estendê-la para todos os fiéis da Igreja. Os historiadores especulam que talvez essa ação possa ter sido tomada para enfraquecer a festa pagã nas Ilhas Britânicas, pois, apesar da cristianização, a resistência das tradições pa-gãs na área era grande. Ainda assim, não é possível dizer com certeza se de fato foi essa a intenção dos dois papas citados.

Com isso, iniciou-se uma grande tradição em países como a Inglaterra, que, em 1º de novembro, celebrava o All Saints Day (dia de homenagem aos santos) e, em 2 de novembro, celebrava o All Souls Day (dia de orar pelos mortos). O dia 31 de outubro acabou transformando-se em All Hallows’ Eve, que significa “véspera do Dia de Todos os Santos”.

A celebração de 31 de outubro acabou incorporando inúmeras características da época do Sam-hain. Assim, algumas asso-ciações podem ser feitas en-tre as práticas realizadas na festa pagã e a festa cristã. Vejamos algumas delas:

• Tanto pagãos, quanto cristãos, acreditavam que na noite do dia 31 rolava uma cone-xão/encontro entre o mundo es-piritual e material. A maioria das pessoas acreditava que es-ses espíritos iriam fazer algo ruim com elas e com as colheitas. Então, eles começaram a fazer alguns rituais nesse dia.

• Entre esses rituais estavam fazer fo-gueiras, pois elas serviriam de símbolo do rumo a ser seguido pelas almas dos mortos, as velas também tinham essa função. Os celtas jogavam moe-das dentro de caldeirões, fazendo pedidos aos mortos.

• O “Trick or Treat” também surgiu entre esses rituais. As pessoas batiam de porta em porta em busca de um pedaço de “bolo de alma” (um bolo recheado com groselha). Em tro-ca do bolo, as pessoas rezavam para os espíritos da família de quem doava. Com o passar do tempo esse ritual foi substituído por crianças fantasiadas pedindo doces.

• Outra tradição comum para afastar os mortos era esculpir rostos em nabos, assim como é feito nas abóboras hoje em dia, com velas dentro. Antigamente os nabos eram usados pois eram mais abundantes na Irlanda, mas com a chegada nos EUA as pessoas começaram a utilizar as abóboras.

Além dos rituais para afastar os mortos, a comemoração no dia 31 também tinha alguns costumes de prever o futuro. Por exemplo, uma pessoa puxava uma couve ou um repolho do solo e dependendo do sabor e do formato do vegetal, eles poderiam fornecer pistas sobre a profissão e personalidade do futuro cônjuge da pessoa.

No caso da crença em monstros durante o Halloween, sua origem também remonta ao Samhain, pois os celtas acredita-vam que, no período da festa, seres malignos poderiam apro-veitar a presença dos mortos para fazer mal às pessoas vivas. Além disso, no Samhain, era comum que as pessoas fossem de porta em porta com máscaras para não serem reconhecidas pelos seres malignos. A crença em monstros e o uso de máscaras fazem parte da tradição moderna do Halloween.

Como o Halloween foi parar nos EUA?

Em 1845, alguns países da Europa, mas principalmente a Irlanda, passaram por um período chamado de “Grande Fome”, que durou até 1849. A causa mais provável para a escassez de comida desse período foi uma infestação que atingiu uma larga escala das plantações de batata do continente.

A população da Irlanda dependia unicamente de batatas para sobreviver, então, essa infestação foi uma verdadeira tragédia para o país. Com isso, aconteceu uma emigração em massa dos irlandeses para os EUA.

E não é à toa que a partir dessa época começaram a surgir as primeiras referências ao Halloween por lá. Assim as tradições do Halloween europeu se uniram aos rituais de colheita americanos.

O milho, por exemplo, entrou com tudo na simbologia do Halloween e a abóbora passou a ser entalhada para virar lanterna. Assim como, a antiga tradição do “trick or treat” virou uma brincadeira entre as crianças americanas.

Como é o Halloween é comemorado ao redor do mundo?

Foto: www.shutterstock.com/Lauritta

As explicações e tradições foram se misturando com o passar dos anos e se espalharam para diversos lugares, criando variações de comemorações e intenções.

• Estados Unidos: As tradições de Halloween nos EUA estão entre as mais conhecidas no mundo e são muito aguardadas pelos norte-americanos. Quando chega o final de outubro, diversas famílias enfeitam suas casas com adereços relacionados a bruxas e a temas de terror, como teias de aranhas, esqueletos e morcegos de brinquedo.

Para as crianças, as comemorações são divertidas, pois um dos costumes mais aguardados por elas é se fantasiar para ir às casas dos vizinhos para fazer a famosa pergunta Trick or treat? ou, como conhecemos em português, “Doces ou travessuras?”. Caso não ganhem doces, as crianças fazem alguma travessura como “punição”; geralmente os pequenos jogam papel higiênico no jardim.

Outra tradição, que não é exclusiva dos norte-americanos, mas que é impossível não lembrar, são as abóboras entalhadas com uma vela dentro. Chamada de jack-o’-lantern, essa é uma figura que não pode faltar em uma decoração.

• Irlanda: Na Irlanda o Halloween possui alguns símbolos e tradições diferentes da cultura norte-americana. Por lá, as comemorações começam logo no início do mês de outubro, como uma preparação para o dia 31. Além das fantasias e de-corações, é comum encontrar algumas fogueiras pelos bairros das cidades. Diz a lenda que nela devem ser jogados objetos para espantar qualquer tipo de mau presságio.

Os irlandeses costumam preparar muitas comidas para dei-xar aos espíritos de parentes e amigos que já faleceram e que vão visitá-los no dia dos mortos. Um desses alimentos prepa-rados aos montes é um bolo de frutas cristalizadas. Algumas pessoas colocam um anel no meio da massa, e aquele que re-ceber o pedaço que contém o objeto irá se casar em breve.

• Inglaterra: As tradições de Halloween na Inglaterra são muito semelhantes às da Irlanda. A diferença é que, ao invés de se entalhar uma abóbora, os ingleses usam beterrabas para decorar suas casas e montar os jack-o’-lanterns.

• Alemanha: Para os alemães o Halloween possui um significado mais religioso do que festivo. Embora seja possível encontrar referências às tradições comuns nos EUA, na Alema-nha o feriado é algo mais introspectivo. As celebrações iniciam-se dia 31 de outubro e se estendem até o dia 8 de novembro. Nesse período as igrejas ficam com um número de missas e cultos maior, para que todos possam rezar pelos entes que já deixaram a vida.

• México: O Dia dos Mortos é indiscutivelmente o festival mais conhecido do México. Atualmente, o feriado mexicano está associado ao Dia de Todos os Santos e Finados, mas al-guns acreditam que na verdade se originou das práticas astecas dedicadas à deusa dos mortos.

As tradições desta festa de três dias variam regionalmente, mas há uma série de práticas encontradas em todo o paíscomo por exemplo a construção de altares para familiares falecidos e visitas a túmulos com oferendas como caveiras feitas de açúcar, pães doces e garrafas de tequila e mezcal.

No Brasil, Halloween ofusca folclore brasileiro

Essa inversão cultural faz com que não lembremos que o dia 31 de outubro, no Brasil, é dedicado a um personagem genuíno do folclore nacional: o Saci-Pererê, que permanece parcialmente esquecido do nosso imaginário.

A intensa influência, especialmente norte-americana, fez com que o Dia das Bruxas, como ficou conhecido no Brasil, fosse celebrado como mais uma comemoração no calendário nacional. Personagens como vampiros e bruxas, que não fazem parte da nossa cultura, foram incorporados às festividades bra-sileiras, apesar das importantes lendas da cultura nacional que poderiam ser celebradas.

Mas por que os brasileiros decidem celebrar a data da mesma forma como nos EUA?

Esse quadro pode ser explicado por meio de um conceito esboçado pelo teórico estrategista de relações internacionais, Joseph Nye, o soft power. Alexandre Ganan Fi-gueiredo, historiador e pesquisador de pós-doutorado pe-la Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, explica que esse ter-mo diz respeito a um conjunto de iniciativas não militares ou econômicas, a fim de que um Estado atinja seus interesses de política externa.

“O soft power diz respeito à capacidade de um país ter influência direta em outros por meio de sua cultura, sua capacidade de se projetar como exemplo para o mundo”, ele explica. No caso dos EUA, um exemplo é a “podero-síssima indústria cultural norte-americana”, como produ-ções de Hollywood e de séries de TV, que chegaram ao Brasil logo após a II Guerra Mundial, “praticamente junto com a televisão”.

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Por fim, Figueiredo descreve também como elemento desse tipo de influência a exportação de um estilo de vida ideal, apresentado como um modelo a ser copiado. “Isso é muito forte aqui, seja no consumo dos produtos estran-geiros ou até mesmo copiando seus costumes, como é o caso da comemoração do Halloween no Brasil”, diz.

É a partir da perspectiva de que não há ligações entre a celebração do Halloween e a cultura brasileira que, em 2003, apresentou-se um projeto de lei para que, no dia 31 de outubro, fosse celebrado no Brasil o Dia do Saci. Em 2010, a data foi oficializada em todo o País.

Bruno Baronetti, pesquisador e doutorando em Histó-ria Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, vê o Dia do Saci como uma resposta à indústria cultural americana.

“Além disso, havia uma percepção de que cada vez mais escolas do ensino básico valorizavam o Dia das Bruxas no modelo norte-americano”, aponta. Tendo o Brasil um folclore muito rico, com lendas e histórias vindas da miscigenação entre di-versos povos, o que é próprio da nossa formação como País, foi colocado em questão: “Por que não promover uma reflexão sobre o papel da cultura nacional?”.

Saci-Pererê

O Saci é uma lenda que traz tradições principalmente do Sul e do Sudeste do Brasil, mas apresenta características intrínsecas à formação do Brasil. “O Saci é um jovem negro, com seu cachimbo, um elemento indígena. Além disso, traz elementos da cultura árabe, como a lenda do menino que pode ser preso em uma garrafa e conceder desejos, dispositivos narrativos presentes em “As Mil e Uma Noites”, coleção de narrativas onde se encontra a figura do Gênio da Lâmpada. “

Algumas cidades do Brasil, sobretudo nos municípios de São Paulo, começaram a fazer festas para essas lendas do folclore nacional no dia 31 de outubro. “Em

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São Luís do Paraitinga, no Vale do Paraíba, temos a Sociedade dos Observadores de Saci, que todo ano promove a Festa do Saci”, conta Baronetti.

O pesquisador explica que os estudos folclóricos no Brasil, desde o início do século 20, por meio do Movimen-to Folclórico Brasileiro, e grandes estudiosos, como Mário de Andrade e Edison Carneiro, buscam a inserção desses temas nas escolas. “O Dia do Saci tem o papel de estímulo, de resgate da nossa cultura, e é justamente um contra-ponto a esse projeto colonizador e imperialista que busca inserir aqui esses elementos alheios à nossa cultura.”

“A ideia não é acabar com o Halloween, mas criar um contraponto para que as crianças, além da tradição estran-geira, já conhecida, passem a ter contato também com tradições e culturas nacionais”, conclui o historiador, resgatando um pensamento de Plínio Marcos, dramaturgo brasileiro, dizendo que “um povo que não ama e preser-va as suas formas de expressão mais autênticas jamais será um povo livre”.

Fontes: www.businessinsider.com, www.americaslibrary.gov, www.hirtory.com e jornal.ups.br (por Bruno Militão).

 

 

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