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Na planície que dá nome ao livro, as famílias Bai e Lu, parte de um mesmo clã, alternam-se no poder. Acompanhamos três gerações destas famílias, enquanto testemunham a onda de mudanças e destruição a que o povo chinês foi submetido na primeira metade do século XX.

Com o fim da dinastia Qing e a queda do Império, em 1912, os senhores feudais locais passam a brigar entre si. Depois, é a disputa entre o Partido Nacionalista e o Partido Comunista, cada um com sua ideia de libertação popular. Ao mesmo tempo, ocorre a invasão japonesa e a devastadora Segunda Guerra Mundial. Novamente, a guerra total entre partidos, que culmina na Grande Marcha e na fundação da República Popular da China.

Com o estabelecimento do novo Estado revolucionário, novos valores e formas de vida vêm substituir a cultura arraigada há milênios. Contra esse pano de fundo histórico, o elenco de personagens criado por Chen Zhongshi compõe um retrato das formas possíveis de viver perante às catástrofes. Conhecemos a ética e a organização da vida local; experimentamos os rituais simbólicos tradicionais, bem como a filosofia do confucionismo – incorporados no doutor Leng e no sábio Mestre Zhu.

Acompanhamos personagens em busca de suas revoluções pessoais por meio da educação, do banditismo ou da adesão aos grupos de poder. Vemos a opressão patriarcal e as tentativas de libertação feminina, encarnadas nas personagens Xiao’e Bai Ling. Por fim, vemos como as escolhas pessoais levam famílias amigas a lados opostos de uma guerra fratricida. Concebido em 1987 e finalizado em 1992 – período em que o autor viveu na zona rural da infância para viver a atmosfera que queria recriar – Na Terra do Cervo Branco é um clássico moderno da literatura chinesa. O livro alçou Chen Zhongshi ao patamar de autores como Yu Hua ou o Prêmio Nobel Mo Yan, com a diferença de que, em vez de buscar uma literatura globalizada, ele trata de assuntos eminentemente chineses.

Resenha/Opinião

Não vai ter nenhum suspense dessa vez. Soberbo! Espetacular!! Retumbante!!! Na Terra do Cervo Branco é uma leitura [acredito nisso agora], indispensável para qualquer pessoa que goste de se aventurar em outras culturas e conhecer suas nuances e, principalmente, suas diferenças perante o restante do mundo. Isso, claro, falando especificamente da cultura chinesa que é cheia de tradições, mesmo que algumas delas nos façam torcer o nariz. Mas o que não se pode negar é a riqueza desse povo e como eles se desdobram para se adaptarem sejam quais forem as circunstâncias.

E é exatamente neste clima que Chen Zhongshi nos conta a epopeia do povo chinês através dos personagens de duas famílias de um mesmo clã nos primeiros 50 anos do século vinte. Bai Jiaxuan, pensa que tem uma maldição. Na verdade não somente ele pensa, mas o vilarejo todo sabe, na verdade, que ele tem uma maldição; todas suas mulheres morrem logos depois que se casam com ele. Jiaxuan só quer perpetuar a sua família, mas não consegue, de suas sete esposas, seis morreram de formas diversas. E, após a morte de seu pai, Bai Jiaxuan, prometeu que arranjaria uma esposa e daria continuidade ao nome da família, foi preciso seis mortes até Jiaxuan, finalmente, quebrar a maldição e chegar até sua sétima e última esposa.

Na Terra do Cervo Branco não só mostra a vida de três gerações dessas duas famílias, Bai [branco] e Lu [cervo], também mostra a dificuldade de várias mudanças que os personagens irão ter que passar. Mudanças de tradições, governos, fome, miséria, morte e até sobrenatural. Zhongshi resolveu mostrar toda um epopeia do povo chinês, através desse povoado chamado Cervo Branco.

Ele não esconde nada. Literalmente mostra tudo o que era comum naquela época conturbada, onde todos tiveram que se adaptar com o novo regime, tendo em vista a queda da dinastia Qing e a entrada da nova República Popular da China, onde também temos a criação do Partido Nacionalista e do Partido Comunista. De uma certa forma, Na Terra do Cervo Branco é uma obra didática que serve para os ocidentais entenderem um pouco mais da cultura chinesa desde os primórdios da sua “modernidade”, podemos assim dizer. Existem passagem muito chocantes ao longo da história que fica ainda mais impactante sabendo que aquele tipo de coisa demonstrada ali nas páginas do livro são reais. Sim, aconteceram e muitas pessoas pagaram um preço absurdamente alto por seus ideais.

Na Terra do Cervo Branco foi uma leitura fantástica e arrebatadora, posso dizer que foi uma das melhores que eu tive nos últimos anos, ainda mais com uma edição muito bem produzida pela editora. Capa e sobrecapa, belíssima por sinal, papel off-white [amarelinho], fonte agradável e um trabalho editoral sem defeitos. Portando, sem sombra de dúvidas que a obra seminal de Chen Zhongshi, publicada pela editora Liberdade é absolutamente I-M-P-E-R-D-Í-V-E-L.

Sobre o autor

Chen Zhongshi nasceu em 1942, em uma zona rural próxima a Xi’an, capital da província de Shaanxi, no nordeste da China. Por ter sido a capital de várias dinastias de imperadores, a província tem um importante papel na história chinesa desde a antiguidade. Seu avô foi professor e seu pai era um das poucas pessoas alfabetizadas da região. Estreou na ficção em 1973, com um conto publicado em uma revista local, e seguiu produzindo literatura de forte inspiração regional.

Com a Morte de Mao Tsé-Tung e a abertura do país, conheceu a obra de autores estrangeiros como Anto Tchékhov, Honoré de Balzac e Grabriel García Márquez. Teve também acesso a novos olhares sobre a história chinesa, transcendendo a visão oficial do Partido.Afinando seu estilo e suas preocupações temáticas, aprofundou-se cada vez mais na rica tradição da região de Shaanxi, usando como fontes o folclore e a tradição oral, além de registros históricos e gazetas locais. Com essas pesquisas, produziu novelas e depois regressou por alguns anos à terra natal para escrever sua obra máxima e seu único romance: Na Terra do Cervo Branco. O livro o alçou ao patamar de celebridade literária na Ásia e garantiu-lhe prestígio internacional. Faleceu no final de abriu de 2016 e milhares de pessoas prestaram homenagem ao autor no seu velório em Xi’an.

Jeffa Koontz
Crítico Literário
literalmente-koontz.blogspot.com
Instagram: @literalmente_koontz

JEFFA KOONTZ

By JEFFA KOONTZ

Aprendiz da vida, leitor compulsivo, cinéfilo, "sériefilo", colecionador, músico, resenhista e crítico literário.

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