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Com tantas provocações ao status quo, as reações à Tropicália também tornaram-se mais contundentes. Num debate organizado pelos estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, em junho de 1968, Caetano, Gil, Torqua to e os poetas concretos Augusto de Campos e Décio Pignatari, que manifestavam simpatia pelo movimento, foram hostilizados com vaias, bombinhas e bananas pela linha dura universitária. O confronto foi mais violento ainda durante o III Festival Internacional da Canção, no Teatro da Universidade Católica de São Paulo, em setembro. Ao defender com os Mutantes a canção É Proibido Proibir, que compôs a partir de um slogan do movimento estudantil francês, Caetano foi agredido com ovos e tomates pela platéia. O compositor reagiu com um discurso, que se transformou em um histórico happening: “Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?”, desafiou o irado baiano.

Outro cenário de confronto foi a boate carioca Sucata, onde Caetano, Gil e Mutantes fizeram uma conturbada temporadas de shows, em outubro. Uma bandeira com a inscrição “Seja marginal, seja herói” (obra de Hélio Oiticica), exibida no cenário, e o boato de que Caetano teria cantado o Hino Nacional enxertando versos ofensivos às Forças Armadas serviram de pretexto para que o show fosse suspenso.

Ainda em outubro, finalmente, os tropicalistas conseguiram um programa semanal na TV Tupi. Com roteiro de Caetano e Gil, Divino, Maravilhoso contava com todos os membros do grupo, além de convidados como Jorge Ben, Paulinho da Viola e Jards Macalé. Os programas eram concebidos como happenings, repletos de cenas provocativas. A influência do movimento também ficou evidente em dezenas de canções concorrentes no IV Festival de Música Popular Brasileira, que a TV Record começou a exibir em novembro. A decisão do júri refletia o grande impacto da Tropicália somente um ano após o lançamento de suas primeiras obras: São São Paulo, de Tom Zé, foi a canção vencedora; Divino, Maravilhoso, de Caetano e Gil, ficou em terceiro lugar; 2001, de Tom Zé e Rita Lee, foi a quarta colocada.

Morte Decretada

Nessa época, com o endurecimento do regime militar no país, as interferências do Departamento de Censura Federal já haviam se tornado costumeiras; canções tinham versos cortados, ou eram mesmo vetadas integralmente. A decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, oficializou de vez a repressão política a ativistas e intelectuais. As detenções de Caetano e Gil, em 27 de dezembro, precipitaram o enterro da Tropicália, embora sua morte simbólica já tivesse sido anunciada, nos eventos do grupo.

Apesar de ter se revelado tão explosiva quanto breve, com pouco mais de um ano de vida oficial, a Tropicália seguiu influenciando grande parte da música popular produzida no país pelas gerações seguintes. Até mesmo em trabalhos posteriores de medalhões da MPB mais tradicional, como Chico Buarque e Elis Regina, pode-se encontrar efeitos do “som universal” tropicalista.

Descendentes diretos ou indiretos do movimento continuaram surgindo em décadas posteriores, como o cantor Ney Matogrosso e a vanguarda paulistana do final dos anos 70, que incluía Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e o Grupo Rumo. Ou, já nos anos 90, o compositor pernambucano Chico Science, um dos líderes do movimento Mangue Bit, que misturou pop eletrônico com ritmos folclóricos locais. Ou ainda um grupo de compositores e intérpretes do Rio de Janeiro, como Pedro Luís, Mathilda Kóvak, Suely Mesquita e Arícia Mess, que lançaram em 1993 um projeto com pose de movimento intitulado Retropicália.

Em 1998, os 30 anos do movimento serviriam de tema oficial do Carnaval de Salvador.

Essa efeméride também provocou a gravação do CD-tributo Tropicália 30 Anos, no qual as canções mais populares do movimento foram recriadas por intérpretes da nova geração baiana, como Carlinhos Brown, Margareth Menezes e Daniela Mercury, além dos próprios Caetano, Gil, Tom Zé e Gal Costa.

Em âmbito internacional, nos últimos anos, conceituadas publicações como o jornal norte-americano The New York Times ou a revista britânica The Wire dedicaram artigos extensos à Tropicália. Um revival até inusitado, que parece ter sido despertado pelo culto às obras de Caetano, Gil, Tom Zé e Mutantes, que astros do pop internacional como David Byrne, Beck e Kurt Cobain já vinham praticando havia anos.

Fonte: Carlos Calado do site cliquemusic.uol.com.br

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