BACC TRAVEL

Aqui no Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro, em agosto de 2019, a Globo a escolheu para brindar os presentes e fazer o discurso de abertura de seus novos estúdios. Foi em Jacarepaguá, os estúdios MG4, hoje os maiores estúdios da América Latina. Não por acaso a escolha dessa grande atriz, que além dos vários trabalhos na emissora, como o antológico “Guerra dos Sexos”, e a vitória do Emmy com “Doce de Mãe” é, sem dúvida, um dos principais talentos brasileiros conhecidos internacionalmente. É claro que falamos de Fernanda Montenegro.

Vale lembrar que nem mesmo a pandemia foi capaz de parar essa talentosa senhora com mais de 90 anos. Ela que já tomou a primeira dose da vacina contra o COVID-19, aguardando agora a segunda.

Durante a pandemia Fernanda Montenegro, junto da filha Fernanda Torres, fez durante o isolamento social o episódio “Gilda e Lúcia”, da série “Amor e Sorte”, exibida em setembro de 2020. No episódio, que abordou o coronavírus, a filha atravessa o oceano para ajudar a mãe a superar o difícil período de isolamento social. Nesse período elas resolvem questões mal resolvidas entre elas. As “Fernandas”, junto da família mais próxima – que diga-se de passagem já é uma equipe de TV pronta – gravou para Globo o episódio, respeitando os protocolos e restrições.

Mesmo ciente de tamanho talento, a força de vontade de criar, de existir, de Fernanda Montenegro é um exemplo para todos nós. Essa vontade é algo que vem desde cedo, quando Arlete Pinheiro Esteves da Silva, seu nome real, foi atrás de seus sonhos. Ela nasceu em Cascadura, subúrbio do Rio de Janeiro, em 16 de outubro de 1929 e foi próximos aos quinze anos que, sempre fascinada pelas artes e também pelo rádio, resolveu se inscrever num concurso para ser locutora da Rádio MEC – a mesma rádio que antes pertenceu a Edgar Roquette-Pinto, pioneiro da área, ainda sob o nome de Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Seu jeito sempre claro, numa dicção invejável, ela fez de tudo. Naqueles dez anos em que lá esteve foi locutora, roteirista e principalmente radioatriz (sua primeira radiopeça foi “Sinhá Moça Chorou”). Foi lá que passou de Arlete ao pseudônimo que a própria inventou: Fernanda Montenegro.

A atriz, além da Rádio MEC, foi estudar Secretariado, e ali perto da rádio se filiou ao grupo do teatro amador Teatro Ginástico. Fazia rádio, estudava, atuava no teatro… Não parava! Aos poucos foi conhecendo colegas de toda vida, como Nicette Bruno, o futuro marido Fernando Torres (com quem se casou em 1953) e Beatriz Segal. Considera sua estréia oficial nos palcos como atriz no Teatro Copacabana. Foi o início de uma grande história.

Em 1950, Assis Chateaubriand inaugurou a TV Tupi de São Paulo. Já em montagem, no mesmo ano, já se preparava a TV Tupi carioca – que estreou em 20 de janeiro de 1951. Para lá, muitos colegas estavam indo, para além dos palcos e de rádio, também fazer televisão. Nessa época vale lembrar que o Rio de Janeiro era a capital federal. Fernanda então ingressou na TV Tupi do Rio de Janeiro, onde estavam amigos como Jacy Campos, o eterno apresentador de “Câmera Um”, e Pascoal Carlos Magno, do “Teatro do Estudante”. Fernanda foi então fazendo uma, duas, três participações… Impressionou tanto que ao invés de pagarem cachê vez a vez, a TV Tupi achou que sua contratação seria o melhor acordo.

A atriz sempre faz questão de lembrar, que a televisão no Rio de Janeiro começou diferente de São Paulo. Enquanto na capital paulista profissionais de rádio estavam em sua maioria, no Rio muitos vieram do teatro, da Cinelândia, do teatro de revista, dos cassinos como a Urca (curiosamente futura sede da TV Tupi carioca, até 1980, sendo que inicialmente funcionou em um pequeno prédio na Avenida Venezuela)… Gente como Chianca de Garcia, Paulo Porto, Grande Otelo, Olavo de Barros, entre outros.

Por dois anos, Fernanda se revezou entre a Rádio MEC e a TV Tupi. Fez teleteatros, com o melhor da dramaturgia universal, como “Antígona”, do grego Sófocles.

Ao lado do parceiro, Fernando Torres, resolveram ir para São Paulo constantemente, para atuar no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) em meados dos anos 1950. Primeiro fez parte da companhia de Henriette Morineau, os “Artistas Unidos”. Ficava então entre idas e vindas, superando o cansaço dessa quase ponte-aérea Rio-São Paulo (nessa época a maioria dos artistas iam de ônibus e carro, de lá pra cá, porque avião era um luxo e caro!). Fez então mais de 500 peças nas duas versões do “Grande Teatro Tupi”. Em São Paulo, com inúmeros diretores, e no Rio de Janeiro, com aquele que também se tornaria um grande amigo: o ator Sérgio Britto. No “Grande Teatro Tupi” do Rio de Janeiro contracenou com nomes como Nathália Timberg, Ítalo Rossi, Zilka Salaberry e o próprio Britto, entre um grande elenco de atores que reforçaram o papel da dramaturgia na TV brasileira. Nos bastidores, um jovem roteirista, que chegou até a ser ator, mas que ficou consagrado como dramaturgo: Manoel Carlos.

Em 1959, ao sair do TBC, funda com Gianni Ratto, Fernando Torres, Ítalo Rossi e Sérgio Britto a companhia “Teatro dos Sete”. Muitos sucessos, como “O Mambembe”, “A Moratória”, “Dias Felizes”, “Dona Doida”… centenas de peças produzidas por eles, muitas com interpretações de Fernanda, que intercalava ainda trabalhos televisivos. Antes da Globo, a atriz fez sucesso na TV Tupi, como já dito, e posteriormente, grande sucesso na TV Excelsior, em produções como “A Muralha” e “Sangue do Meu Sangue”, e “Cara a Cara”, na TV Bandeirantes. E na Globo? Muitos trabalhos, como “Baila Comigo”, “Brilhante”, “Cambalacho”, “Guerra dos Sexos”, “Riacho Doce”, “Renascer”, “A Próxima Vítima”, “Auto da Compadecida”, “Zazá”, “Hoje é Dia de Maria”, “Belíssima”, “Passione”, “Babilônia”, “O Outro Lado do Paraíso” e tantas outras produções, hoje retransmitidas para o mundo pela TV Globo Internacional ou pela plataforma de streaming Globoplay.

Outra paixão de Fernanda Montenegro é o cinema, conhecida desde a estreia em “A Falecida” (1968). Fez filmes que ficaram na história da cinematografia brasi-leira como “Eles Não Usam Black-Tie”, “O que é Isso Companheiro?”, “A Hora da Estrela”, “Olga”, “Casa de Areia” e claro, “Central do Brasil”, sendo a primeira bra-sileira a ter sido indicada como “Melhor Atriz” ao Oscar. Não ganhou, mas o que não diminuiu a sua fama de colecionadora de prêmios. Tem quase todos do mundo ligados à arte. Leão de Ouro, Urso de Berlim, Emmy, Shell… Faltam prateleiras para tanto.

O melhor de tudo é que esta pessoa, cuja carreira muito demonstra a força da mulher brasileira, continua a ser a amável Fernanda Montenegro, dona de uma simplicidade ímpar. Isso porque a arte está acima de qualquer tipo de vislumbre. É uma operária da arte, da “entrega” que o teatro exige, cujo brilho está no conjunto da obra e nos aplausos tão merecidos. À esta grande atriz, sempre firme e determinada, vemos um “doce de mãe” de Cláudio e Fernanda, seus filhos, e na saudade do marido Fernando Torres. Mais que atriz, é a mãe e avó que muitos, do Brasil e de todo mundo, gostariam de ter. Sempre humana.

ELMO FRANCFORT
Escritor & Coordenador do Memória Aberta
elmo@francfort.com.br

ELMO FRANCFORT

By ELMO FRANCFORT

Autor de mais de 10 livros sobre a memória da televisão, tendo colaborado com mais de 80 obras e de exposições sobre a área, como também sobre cultura pop. Coordenador do Memória ABERT (memoria.abert.org.br / memoria@abert.org.br), da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, além de dirigir o projeto TV ANO 70, em comemoração às sete décadas da televisão brasileira.

Deixe um comentário

The Brasilians