Hoje (7 de setmebro) a Praça de São Pedro estará repleta de jovens com smartphones, olhos marejados e corações pulsando com fé. Ao longo do dia, o Papa Leão XIV proclamará Carlo Acutis santo – o primeiro millennial a ascender aos altares católicos. Sua canonização, na Basílica de São Pedro, é um sopro de esperança para uma geração conectada por likes e desilusões.
Carlo morreu aos 15 anos, em 2006, vítima de leucemia fulminante. Seu legado, porém, ecoa como um clique eterno na internet. Ele prova que a santidade pode florescer em meio a códigos binários e telas iluminadas. A cerimônia de hoje não é apenas um rito; é um convite para que jovens redescubram a fé em um mundo digital.
Nascido em 3 de maio de 1991, em Londres, de pais italianos abastados, Carlo cresceu em Milão. Poderia ter sido apenas um adolescente privilegiado, vidrado em videogames e futebol. Mas, aos três anos, sua alma já parecia magnetizada pelo divino. Ele pedia para entrar em igrejas durante passeios e colecionava flores para oferendas à Virgem Maria.
Aos sete anos, Carlo começou a frequentar missa diária, um hábito que converteu sua mãe, Antonia Salzano, até então distante da fé. “Carlo era um menino normal, mas com uma fé extraordinária”, recorda ela, emocionada. “Ele me ensinou a rezar, me levou de volta à igreja. Seu amor por Jesus era como um vírus benigno que infectava todos.”
Carlo amava a vida. Jogava futebol, programava computadores e criava sites. Sua genialidade digital, porém, servia à evangelização. Aos 11 anos, desenvolveu um portal catalogando 166 milagres eucarísticos, exibido em mais de 10 mil paróquias. “A Eucaristia é a minha autoestrada para o céu”, dizia ele, frase que ecoa como um mantra para jovens católicos.
Ele ajudava os sem-teto de Milão, doava sua mesada para caridade e limitava jogos a uma hora diária, evitando ser “escravo da tecnologia”. Em 12 de outubro de 2006, Carlo morreu serenamente, oferecendo seus sofrimentos pelo Papa Bento XVI e pela Igreja. “Estou feliz em morrer, porque vivi sem desperdiçar um minuto em coisas que não agradam a Deus”, murmurou.
O caminho para a santidade na Igreja Católica é meticuloso, quase forense. Começa com a declaração de “Servo de Deus”, com a diocese investigando a vida do candidato. Em 2013, Milão iniciou o inquérito sobre Carlo, coletando testemunhos. Em 2018, o Papa Francisco o declarou “Venerável”, reconhecendo suas virtudes heroicas: fé, esperança, caridade, prudência, justiça, fortaleza e temperança.
A beatificação exige um milagre comprovado; a canonização, um segundo. Médicos, teólogos e cardeais examinam cada caso, descartando explicações científicas. “É como um tribunal celestial”, explica o cardeal Marcello Semeraro, do Dicastério para as Causas dos Santos. “Buscamos provas irrefutáveis de que Deus agiu por intercessão do candidato.” Carlo’s process was swift, reflecting his modern relevance.
O primeiro milagre, para a beatificação de 2020, envolveu Matheus Vianna, uma criança brasileira de quatro anos. Ele sofria de uma malformação pancreática congênita, incapaz de comer sólidos. Em 2013, em Campo Grande, seu avô tocou uma relíquia de Carlo na criança, pedindo cura. Dias depois, Matheus pediu carne e comeu normalmente. Exames mostraram o pâncreas perfeito, sem cirurgia.
“Foi como se Deus tivesse reescrito o código genético”, disse um médico perplexo. O Papa Francisco aprovou o milagre em 2020, e Assis explodiu em júbilo. O segundo milagre, para a canonização, é ainda mais comovente. Em julho de 2022, Valeria Valverde, uma costarriquenha de 21 anos, caiu de bicicleta em Florença, sofrendo traumatismo craniano grave.
Os médicos removeram parte de seu crânio para aliviar a pressão. Em coma, seu prognóstico era sombrio. Sua mãe, Liliana, rezou no túmulo de Carlo em Assis. No dia seguinte, Valeria acordou, moveu-se e falou: “Quero sair da cama”. Semanas depois, exames revelaram regeneração cerebral inexplicável. “Carlo intercedeu, transformando desespero em dança”, contou Liliana, chorando.
O Papa aprovou o milagre em maio de 2024. A canonização, adiada pela morte de Francisco em abril de 2025, ocorrerá hoje. Carlo nos convida a refletir: a tecnologia, a internet e as redes sociais são espelhos – refletem aquilo para o qual estão direcionadas. Podem amplificar ódio ou vaidade, mas, para Carlo, tornaram-se janelas para o sagrado.
“Todos nascem originais, mas muitos morrem como fotocópias”, alertava Carlo. Em uma era de algoritmos que isolam, ele usou a web para unir almas, provando que o digital não é inimigo da fé. Como disse o Papa Francisco: “Carlo nos mostra que a santidade é possível no mundo de hoje, com seus computadores e conexões.”
Há uma ligação poética entre Carlo e São Francisco de Assis. Ambos repousam em Assis, cidade da paz. Francisco cantava à criação; Carlo, à Eucaristia digitalizada. Antonia Salzano relata um sonho: São Francisco previu a beatificação e canonização de Carlo. “Como Francisco renunciou à riqueza, Carlo, também de família muito abastada, renunciou ao materialismo e egoísmo pela caridade virtual”, diz o bispo de Assis, Domenico Sorrentino.
Confesso, como jornalista, que minha formação em colégios e universidade católicos me moldou como progressista, inspirado por Francisco de Assis. Visitei sua tumba nos anos 1980, orando em sua simplicidade. Depois aprendi com o Mestre de ‘Akká, que fé real é “professar com a língua, acreditar com o coração e demonstrar com os atos”. A santidade é pureza interior e ação nobre, não um título. Ele nos convida: “Sê veloz no caminho da santidade… se o pensamento aspira a assuntos celestiais, torna-se santo”. Carlo personificou essas aspirações. Ele viveu sua fé com ações, usando a tecnologia para unir e elevar.
Como dizem os jovens, “o santo mandou bem”.
Hoje, a Igreja não elevará um relicário distante, mas um amigo próximo. Carlo Acutis, santo aos 15, nos lembrará que a eternidade não espera a velhice. Seu legado é um clique que, para os que têm fé, vibrará no céu, convidando-nos a direcionar nossos espelhos digitais para o nosso melhor eu, nossa realidade interior.
Que sua intercessão cure nossas desconexões e nos faça originais novamente.
Fonte: www.brasil247.com por Washington Araújo Jornalista, escritor e professor. Mestre em Cinema e psicanalista. Pesquisador de IA e redes sociais. Apresenta o podcast 1844, Spotify.
