A nova Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos de 2025, assinada pelo presidente daquele país nesta semana, Donald Trump, reorganiza as prioridades de Washington em torno de um objetivo central: preservar a supremacia dos EUA diante da ascensão da China e impedir o surgimento de qualquer potência concorrente no hemisfério ocidental.
Na avaliação do geógrafo e professor de economia da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Elias Jabbour, em entrevista à TV 247, esse movimento não se limita a conter Pequim: ele inclui também uma ofensiva direta para limitar o Brasil sempre que o país tentar construir um projeto nacional próprio.
Jabbour afirmou que o documento funciona como um plano de dupla contenção. “Trump quer conter a China e também o Brasil”, disse, ao classificar a iniciativa de Trump como uma tentativa dos EUA de supostamente “colocar ordem na casa”, enquanto a liderança global de Washington se vê decadente.
Ao comparar o momento atual com o governo do ex-presidente dos EUA Ronald Reagan, nos anos 1980, ele resumiu a lógica do novo texto oficial: “O Trump ele observa o mundo como algo muito osciloso aos Estados Unidos e ele busca, através desse documento lançado, tentar reordenar o mundo à imagem e semelhança dos interesses dos Estados Unidos. Ele acorda para a realidade”.
Jabbour associa o novo desenho estratégico dos EUA a um processo em curso de pressão política e informacional sobre o Brasil. Para ele, o país já vive um cenário de confrontação não declarada. “Eu acredito que nós já vivemos sobre uma guerra híbrida há muito tempo”, afirmou, ao projetar o efeito prático da nova orientação de Washington sobre a política interna brasileira.A partir do documento, ele antecipa uma escalada. “Essa guerra híbrida vai aumentar o alcance dela. Por exemplo, já esperemos, a partir desse documento, uma interferência direta dos Estados Unidos via Big Techs nas próximas eleições”, disse. Na avaliação do professor, o controle de fluxos de informação, plataformas digitais e ambientes de debate público passa a ser tratado, na prática, como um instrumento de contenção de projetos políticos que não se alinhem à estratégia de Washington para o hemisfério.Por isso, Jabbour sustenta que o calendário eleitoral brasileiro deve ser visto como parte de uma disputa maior. Segundo ele, “do ponto de vista político ainda, é fundamental que a esquerda brasileira ou aqueles patriotas em geral tenham muito claro o que está em jogo nas próximas eleições”.
Jabbour argumenta que o país não pode mais sustentar uma posição ambígua entre Washington e Pequim. “É hora do Brasil tomar uma decisão. Vamos ter uma relação frouxa com a China, vamos tentar ficar aqui de um pé lá outro cá?”, questionou.
Ele defende que a China seja vista como uma oportunidade concreta de reindustrialização e reposicionamento produtivo.
“Acredito eu, por exemplo, que a China pode ser uma baita janela externa para um processo de reindustrialização no Brasil, porque a China hoje se entrega a isso como exportadora de bens públicos”, avaliou. Ao mesmo tempo, reconhece que o interesse de Donald Trump no Brasil pode abrir espaços em áreas específicas, como semicondutores ou cadeias vinculadas às reservas minerais brasileiras.
Ele enfatizou que o eixo de sua análise é o interesse nacional brasileiro como parâmetro para qualquer relação externa. “Eu não quero fechar a porta dos Estados Unidos, eu não quero criar animosidade com os Estados Unidos, eu quero ter relações ótimas com eles, mas tem que ver qual que é o interesse nacional em primeiro lugar, né?”, afirmou.
A partir desse critério, Jabbour avalia que “observando o interesse nacional, é que eu observo a China como parceiro estratégico mais ideal aos nossos interesses”.
Um dos pontos em que a contenção do Brasil se manifesta, segundo Jabbour, é a disputa pelas terras raras e por outros minerais estratégicos presentes na América do Sul. Jabbour observa que já há uma demanda potencial, em especial a partir dos Estados Unidos, por essas matérias-primas. A resposta brasileira, em sua visão, deveria ser a criação de uma estratégia para internalizar cadeias de processamento e agregar valor aos recursos naturais.
“O Brasil deve buscar, com os chineses ou sem os chineses, via substituição de importações ou via pesquisa em ciência, tecnologia e inovação, buscar internalizar as cadeias produtivas que processem essas terras”, defendeu.Ao lembrar que a China domina tanto as reservas quanto o processamento de terras raras, ele aponta a diferença de trajetória entre Pequim e Brasília. “A China hoje detém entre 60 e 70% das reservas internacionais de terras raras e ela é responsável por 90% do processamento delas, né? Então como é que eles conseguiram e o Brasil não consegue?”, questionou. Para o professor, o país precisa de um “esquema institucional” que proteja esses recursos e, ao mesmo tempo, os converta em motor de uma nova revolução industrial.
Contudo, Jabbour conclui que o Brasil se encontra em posição estrategicamente frágil. “Por enquanto, o Brasil tem muito pouco a fazer do ponto de vista político, institucional, financeiro, industrial para lidar com uma ameaça como essa, né? Ou seja, uma ameaça de interferência direta do ponto de vista até militar inclusive”, avaliou.Ele descreve um país sem instrumentos adequados para responder à combinação de guerra híbrida, pressão econômica e eventual escalada militar na região. “O Brasil é um país que está despreparado para lidar com esse cenário. Precisamos urgentemente discutir um projeto nacional à luz dessa ameaça estrangeira ao Brasil”, afirmou.
Fonte: brasil247.com
