Tendemos a atribuir a animais como cães e gatos um certo grau de complexidade mental. Mas os peixes geralmente não recebem esse tipo de elogio.
“Eles não falam, não latem”, diz Caio Maximino, neurocientista da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, no Brasil. “Costumamos pensar: ‘Bem, esses são animais muito simplórios. São como pequenos robôs que não fazem muita coisa.'”
Mas, pessoalmente, Maximino não acredita nisso. “Esses animais têm um comportamento muito rico, mediado por esses estados internos, semelhantes a emoções”, diz ele.
Pesquisas anteriores se concentraram amplamente nas experiências negativas dos peixes, motivadas por medo, ansiedade e desconforto. “Foi demonstrado que eles sentem dor, por exemplo”, diz Marta Soares, fisiologista comportamental da Universidade do Porto, em Portugal. “E isso foi um grande passo, na verdade.”
Mas Soares e Maximino se perguntavam se os peixes também poderiam se sentir bem. Em um estudo publicado na revista Proceedings of the Royal Society B, eles e seus colegas concluíram que os peixes podem sentir prazer e que o buscam ativamente.
“Peixes gostam de coisas, eles querem coisas”, diz Soares. “Basicamente, seria bom mudar um pouco a visão das pessoas em relação aos peixes.”
Peixes muito cooperativos
Para determinar o que os peixes poderiam sentir, os pesquisadores se voltaram para duas espécies de recifes de corais. A primeira foi o bodião-limpador-de-rabo-azul. Este pequeno peixe azul-prateado com uma listra preta se alimenta dos parasitas hematófagos de outros peixes, incluindo espécies predadoras que, de outra forma, poderiam comê-los. Todo o sistema, diz Maximino, é “um modelo de cooperação”.
“O que eles fazem é simplesmente limpar, limpar, limpar, das 6 da manhã às 6 da noite”, diz Soares. Na natureza, “você tem todos os tipos de espécies diferentes” que param no território do bodião para uma limpeza antes de seguirem adiante.
Isso inclui a segunda espécie que os pesquisadores estudaram — o peixe-borboleta-de-barbatana-linha … Os cientistas se perguntaram se esses impressionantes peixes amarelos, pretos e brancos poderiam estar visitando os limpadores por algo além dos benefícios à saúde. Principalmente porque, no laboratório, os peixes-borboleta não precisavam ser limpos — eles vinham livres de parasitas.
Soares já havia demonstrado que os níveis de cortisol, um hormônio do estresse, de outro tipo de peixe de recife caíam durante a limpeza. “Então, pensamos que talvez houvesse algo mais”, diz Maximino. “Talvez haja alguma sensação prazerosa sendo produzida por essa massagem.”
Para descobrir, eles realizaram uma série de experimentos. Primeiro, Maximino observou que os peixes-borboleta preferiam passar o tempo na parte do aquário onde haviam interagido anteriormente com um peixe-limpador.
“Não só [o peixe tinha] uma lembrança de ter sido limpo ali, como também queria ir para lá”, diz Maximino. “Tipo, ‘Este foi um lugar muito agradável onde recebi uma massagem maravilhosa deste peixe e, bem, quero isso de novo.'”
Gostar e querer
Maximino e Soares sabiam que os peixes têm um sistema opioide (assim como nós), que regula tanto a dor quanto o prazer. E eles pensaram que talvez esse sistema fosse pelo menos parcialmente responsável pelo interesse do peixe-borboleta em buscar uma limpeza.
Para testar essa ideia, os pesquisadores injetaram no peixe-borboleta uma dose baixa de um imitador de opioide, uma droga semelhante à morfina que aumentou ligeiramente a ativação dos opioides.
O resultado foi que “eles passaram muito mais tempo procurando por este lugar onde já haviam experimentado a limpeza antes”, diz Maximino. “Então, isso aumentou a preferência deles.”
Mas quando injetaram naloxona no peixe-borboleta — um medicamento que bloqueia os receptores opioides e é usado em humanos para reverter uma overdose — eles perderam o interesse no local onde os limpadores estiveram. Isso sugeriu que pode haver prazer envolvido na massagem “e que isso é mediado pelos opioides naturais em seus cérebros”, diz Maximino.
A pergunta final dos cientistas foi se havia diferença entre gostar da limpeza e querer a limpeza. Então, eles colocaram uma série de barreiras no aquário que dificultavam o acesso do peixe-borboleta ao limpador. Desta vez, os mesmos medicamentos — tanto o imitador de opioides quanto a naloxona — não surtiram efeito. O peixe-borboleta continuou a atravessar as barreiras para alcançar o limpador, revelando que sua motivação pela recompensa não foi afetada.
Isso significava que essa outra sensação de desejo de receber o estímulo prazeroso — pense nisso como um desejo do peixe — pode ser governada por uma substância química diferente, como a dopamina.
Maximino explica da seguinte forma: “O sistema opioide pensa: ‘Isso é prazeroso’, e o sistema dopaminérgico pensa: ‘Vá atrás do que era prazeroso antes’. Os opioides mudam o quanto você gosta de algo, mas não mudam o quanto você deseja algo.”
“A principal conclusão é que os peixes experimentam algum tipo de prazer”, diz ele, “e se esforçam muito para obter esse prazer novamente.”
Alguns cientistas, no entanto, podem precisar de um pouco mais de convencimento.
“Podemos afirmar inequivocamente que isso é prazer em peixes?”, pergunta Susana Peciña, biopsicóloga da Universidade de Michigan-Dearborn, que não participou da pesquisa. “Não tenho certeza se diria isso com essas palavras. Dito isso, é muito difícil mensurar o prazer em animais, ponto final, quanto mais em peixes.”
Ainda assim, ela acha os resultados empolgantes. Para ela, eles sugerem que talvez precisemos repensar como os peixes são tratados em aquários e aquicultura. “Podemos pensar em maneiras de eles terem experiências mais positivas, vidas melhores?”, pergunta ela.
Em última análise, o que este e outros experimentos estão revelando, diz Maximino, é que os peixes têm comportamentos ricos que podem ser controlados, pelo menos em parte, por sentimentos — tanto negativos quanto positivos.
“Prazer, querer, desejar e todas essas emoções positivas que sentimos — não se aplicam apenas a humanos, chimpanzés, gatos e cães”, diz ele. “Os peixes também podem sentir isso. Portanto, esta é uma função muito antiga.”
É uma capacidade que Maximino argumenta ter sido provavelmente muito importante na evolução animal.
Peciña concorda. Se os resultados se confirmarem em estudos adicionais, diz ela, eles podem sugerir “algo mais profundo sobre o que significa estar vivo na Terra”.
Fonte: npr.org por Ari Daniel
