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Foram muitas as nacionalidades de imigrantes que foram para o Brasil desde as primeiras décadas do século XIX, mas o italiano, mesmo não sendo o “mais branco e instruído”, ficou marcado como um imigrante adequado e confiável para a execução das tarefas que o Brasil dele esperava. A importância deste grupo no movimento migratório europeu que teve como destino o Brasil é enorme por várias razões:

• Uma delas é de ordem quantitativa: entre 1870 e 1920, momento áureo do largo período denominado como da “grande imigração”, os italianos corresponderam a 42% do total dos imigrantes entrados no Brasil, ou seja, em 3,3 milhões pessoas, os italianos eram cerca de 1,4 milhões.

• Outras são de natureza qualitativa: o italiano reuniu condições de imigração mais valorizadas por autoridades públicas, por intelectuais e por empresários privados. A proximidade de língua, religião e costumes, fez o imigrante italiano mais facilmente assimilável para a sociedade brasileira do que os alemães ou japoneses, por exemplo.

Os italianos, como todos os demais imigrantes, deixaram seu país basicamente por motivos econômicos e socioculturais. A emigração, que era muito praticada na Europa, aliviava os países de pressões socioeconômicas, além de alimentá-los com um fluxo de renda vindo do exterior, em nada desprezível, pois era comum que imigrantes enviassem economias para os parentes que haviam ficado.

No caso específico da Itália, depois de um longo período de mais de 20 anos de lutas para a unificação do país, sua população, particularmente a rural e mais pobre, tinha dificuldade de sobreviver quer nas pequenas propriedades que possuía ou onde simplesmente trabalhava, quer nas cidades, para onde se deslocava em busca de trabalho.

Nessas condições, portanto, a emigração era não só estimulada pelo governo, como era, também, uma solução de sobrevivência para as famílias. Assim, é possível entender a saída de cerca de 7 milhões de italianos no período compreendido entre 1860 e 1920.

Imigração Subvencionada

A imigração subvencionada se estendeu de 1870 a 1930 e visava estimular a ida de imigrantes: as passagens eram financiadas, bem como o alojamento e o trabalho inicial no campo ou na lavoura. Os imigrantes se comprometiam com contratos que estabeleciam não só o local para onde se dirigiriam, como igualmente as condições de trabalho a que se submeteriam.

Como a imigração subvencionada estimulava a ida de famílias, e não de indivíduos isolados, nesse período locomoviam-se famílias numerosas, com cerca de uma dúzia de pessoas, e integradas por homens, mulheres e crianças de mais de uma geração.

Os primeiros imigrantes a deixarem a Itália na época da “grande imigração” (1870-1920) foram sobretudo os vênetos, cerca de 30% do total, seguidos dos habitantes de Campânia, Calábria e Lombardia. Esse primeiro grupo foi sucedido por emigrantes da região sul.

Se os vênetos eram mais loiros do que a maioria dos italianos, eram pequenos proprietários, arrendatários ou meeiros, para quem a possibilidade do acesso à terra era um estímulo decisivo para o empreendimento da arriscada viagem; os imigrantes do sul eram morenos, mais pobres e rústicos, geralmente camponeses que não dispunham de nenhuma economia e eram chamados de braccianti.

O destino dos imigrantes no período da imigração subvencionada foram as fazendas de café de São Paulo e os núcleos de colonização, principalmente os oficiais, localizados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo.

Afora esses dois objetivos, uma terceira parte de imigrantes localizou-se nas cidades, como o Rio de Janeiro e São Paulo, adensadas por indivíduos que abandonavam o campo, re-emigravam de outros países ou mesmo burlavam a vigilância, não seguindo para o interior.

Fazendas de Café – Relação de Trabalho

A grande massa de italianos que se tornava colono ou empregado de uma fazenda de café trabalhava em condições muito duras, tendo pequenas oportunidades de acumular algum capital.

Eram proporcionalmente poucos os que realizavam o sonho da compra de uma pequena propriedade e quando o faziam, não se tratava de propriedades de grande valor.

As famílias de imigrantes que chegavam nas fazendas de café se submetiam a um contrato de trabalho segundo o qual todos, inclusive mulheres e crianças, deviam trabalhar. O contrato determinava, ainda, que cada família cuidaria de um número determinado de pés de café, recebendo por cada mil pés uma certa quantia em dinheiro.

Além disso, o contrato lhes dava direito à casa e quintal, podendo criar animais, fazer horta e plantar milho e feijão entre as fileiras do cafezal que estivessem a seu cuidado.

Raramente, no entanto, podiam dispor do excedente dessa produção para comercializar.

Núcleos de Colonização

As condições de vida enfrentadas pelos imigrantes que chegavam nos núcleos de colonização, ou colônias de povoamento, também não foram fáceis.

Os italianos chegaram ao sul do Brasil após os alemães e, por esta razão, os núcleos coloniais para onde foram encaminhados estavam mais distantes das regiões já habitadas, situando-se em áreas pouco férteis e desprovidas de meios de comunicação, necessários para o escoamento de produtos ou para a maior integração com o resto do país. Além dessas dificuldades, não havia qualquer tipo de assistência médica ou religiosa.

Em condições tão adversas, não eram incomuns os casos de abandono do lote por moradores que, após mais de dez anos, quase nada possuíam e ainda deviam ao governo e a comerciantes do local.

Sucessos e Fracassos dos Núcleos Italianos

Rio Grande do Sul: o sucesso das colônias lá criadas foi desigual: houve casos de colônias bem-sucedidas, como as que originaram as cidades de Bento Gonçalves, Garibaldi e Caxias, e exemplos de fracasso, como o de Silveira Martins.

Santa Catarina: os colonos italianos tiveram que se dirigir para as colônias alemães estabelecidas anteriormente, onde foram discriminados e explorados.

Paraná: as colônias próximas a Curitiba foram bem-sucedidas, quer porque ali houve como escoar uma produção de alimentos, quer porque foi possível trabalhar na construção de ferrovias (Paranaguá/Curitiba e Curitiba/Ponta Grossa).

Minas Gerais: prosperaram, principalmente, as colônias estabelecidas próximas a cidades voltadas para o fornecimento de trabalhadores para obras públicas. Este foi o caso de Barreiros, Carlos Prates e Américo Werneck, criadas em 1896 nos arrabaldes da nova capital (Belo Horizonte).

Espírito Santo: houve forte presença do imigrante italiano de 1870 até 1920. Na colônia de Demétrio Ribeiro, os lotes foram demarcados em terra fértil e a iniciativa prosperou.

Outro destino dos imigrantes italianos foram as cidades. Dentre elas, destacam-se São Paulo, que recebeu o maior contingente desta nacionalidade, e o Rio de Janeiro com seus arredores, por ser a capital do Brasil e um dos portos mais importantes de chegada de imigrantes.

Em São Paulo, que chegou a ser identificada como uma “cidade italiana” no início do século XX, os italianos se ocuparam principalmente na indústria nascente e nas atividades de serviços urbanos. Chegaram a representar 90% dos 50.000 trabalhadores ocupados nas fábricas paulistas, em 1901.

No Rio de Janeiro, rivalizaram com portugueses, espanhóis e brasileiros. Em ambas as cidades, os imigrantes italianos experimentaram condições de vida e de trabalho tão árduas quanto as encontradas no campo.

Trabalho e Inserção na Vida Urbana

Como operário industrial, o imigrante recebia baixos salários, cumpria longas jorna-das de trabalho e não possuía qualquer tipo de proteção contra acidentes e doenças. Assim como no campo, era muito co-mum que todos na família tivessem que trabalhar, inclusive mulheres – muito usadas nas fábricas de tecidos e indústrias de vestuário – e crianças, mesmo menores de 12 anos.

Na condição de operários, era muito difícil ao imigrante melhorar de vida, financeira e socialmente. Portanto, não era raro que italianos e estrangeiros em geral desejassem trabalhar por conta própria, realizando serviços e trabalhos tipicamente urbanos nas maiores cidades brasileiras.

Eram os mascates, artesãos e pequenos comerciantes; motorneiros de bonde e motoristas de taxi; vendedores de frutas e verduras, tanto como ambulantes, como em mercados; garçons em restaurantes, bares e cafés; engraxates, vendedores de bilhetes de loteria e jornaleiros. Entre os imigrantes bem-sucedidos que começaram “do nada”, um exemplo é o do Conde de Matarazzo.

Os imigrantes italianos se envolviam em movimentos grevistas e participavam de associações, ligas e sindicatos, geralmente de orientação socialista e anarquista.

Mas é um equívoco considerar que eram os estrangeiros que inculcavam as ideias “exóticas” entre os trabalhadores brasileiros, apregoados como “pacíficos” e “despolitizados”.

Na verdade, trabalhadores estrangeiros – dentre os quais italianos – e trabalhadores brasileiros participaram da formação de associações operárias, compuseram suas lideranças, fizeram greves e se viram reprimidos e presos pela polícia.

Se as condições de trabalho eram insalubres, também o eram as de moradia, já que com frequência os imigrantes se instalavam em habitações coletivas – os cortiços – ou nas “favelas”, situadas nos morros. Por outro lado, em algumas cidades, podiam morar em determinados bairros étnicos – como o Brás e o Bexiga, em São Paulo – onde contavam com a cooperação e solidariedade dos vizinhos, o que em muito aliviava suas lides cotidianas.

A luta por uma identidade italiana (italianità) foi uma batalha que os imigrantes, e seus descendentes, tiveram que travar em terras brasileiras. Nessa luta, teve importância a política do governo de Mussolini, que buscava resgatar um sentimento de orgulho “de ser italiano” fora da Itália. Esse foi um período em que a questão da italianità teve um caráter político, com a adesão de muitos imigrantes e descendentes ao fascismo.

Tiveram, também, papel importante muitas instituições, dentre as quais, a Igreja, a escola, as associações beneficentes, profissionais e recreativas e também a imprensa.

A Igreja Católica, através de um clero italiano e de todo seu poderio no interior da sociedade brasileira, foi fundamental. Os laços entre catolicidade e italianità são estreitos, desdobrando-se nos espaços de ensino e lazer, onde as escolas religiosas e as festas dos santos padroeiros das aldeias sempre foram o grande destaque.

A língua foi outro ponto crucial e complexo, pois o falar italiano era instrumento estratégico de união étnica. Para tanto, a escola era fundamental, sendo igualmente um lugar para se aprender corretamente o português.

Mas ter escolas não era fácil: não havia oferta do governo e, ademais, não havia demanda dos imigrantes. Isso ocorria, porque, quer nas fazendas de café, quer nos núcleos coloniais ou nas cidades, todos trabalhavam, restando pouca possibilidade para o encaminhamento de crianças à escola.

Fontes: Gomes, A. C.- “Imigrantes Italianos: Entre A Italianità E A Brasilidade”: Instituto Brasileiro De Geografia E Estatística. Brasil: 500 Anos De Povoamento. E 2017 IBGE – Instituto Brasileiro De Geografia E Estatística

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